A memória
coletiva brasileira vai aos poucos depurando os fatos relativos à escravidão, eliminando as lembranças indesejáveis do sofrimento de uma raça sob o chicote dos colonizadores
brancos. Nas novelas, existe até um certo “glamour” escravocrata, com negros bem
comportados e nutridos, felizes por compartilharem os principais aposentos dos
seus proprietários e suas intimidades. A memória faz uso de lembranças e de
esquecimento, e o esquecimento coletivo é impulsionado pela ideologia das
classes dominantes.
Paracatu
nasceu sob o signo da escravidão, brutal, abjeta, que perdurou como sistema
legal até 1888, há 130 anos. Porém, na memória do povo ela
quase se apagou, como se fosse um mal de Alzheimer coletivo. Mas a sequela de um
forte racismo lembra ao negro (e vários matizes de cor escura) que seus ascendentes
foram escravos nesta terra que eles desbravaram com suor e sangue. A ausência
de consciência da negritude é um processo que avançou em todo o Brasil, permanecendo,
mas de forma que vai se adulterando no tempo, nos causos, cantos, danças, rodas de capoeira e terreiros de candomblés.
Por isso, os
relatos de época são importante fonte de avivamento da consciência negra. Existem
poucos relatos sobre a escravidão e o racismo em Paracatu. Nesse mar de silêncio,
destacam-se o filme Morro do Ouro - ambição e agonia, lançado em 1992 pelo nosso confrade Lavoisier Albernaz, e o livro Os Negros de Paracatu, do nosso confrade Marcos Spagnuolo de
Souza e sua esposa Eleusa Gomes de Oliveira, lançado em 2009. Não existem
relatos de época, contando sobre a escravidão em Paracatu.
Nos Estados Unidos, foi publicado, em 1854,
portanto, quando a escravidão persistia aqui, o relato de um negro que foi escravo
no Brasil: a biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, a qual descreve em detalhes
os usos e costumes, as estruturas familiares e os hediondos castigos infligidos
aos escravizados.
Somente agora, em 13 de maio de 2017, essa biografia foi lançada no Brasil, em português. Para o organizador do livro Biografia
de Mahommad Gardo Baquaqua (Ed. Uirapuru), Lucciani Furtado:
“Há uma ênfase na violência sofrida por ele e por outras mulheres e homens escravizados. Somente a escrita pode dar importância a esses detalhes e, mesmo assim, por muito tempo as pessoas se recusaram a acabar com a escravidão. A brutalidade de um trauma violento pode ser mais fácil de suportar do que a brutalidade da insignificância”.
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Capa do livro original, publicado nos Estados Unidos, em 1854. |
Trata-se de um livro importante para quem deseja conhecer não apenas sobre a escravidão, mas também para entender como suas sequelas persistem em nossa sociedade.
Por: Márcio José dos Santos
Parabéns Marcio José Santos, excelente crônica! Um material riquíssimo para nós professores trabalharmos com nossos alunos.
ResponderExcluirMaria Teresa Oliveira Melo Cambronio