Passeio
no tempo
Ela se foi, conduzida por amigos,
parentes, admiradores e confrades. Do porão da casa, a irmã lançou-lhe um
último olhar de despedida. Cortejo, flores... rápido, o séquito percorre a rua
de Goiás. Seu último passeio neste tempo, vez que agora passa a percorrer os
novos caminhos da transformação pela qual passam os viventes da grande família
do Universo.
Após a despedida comovente e
silenciosa, no cemitério de Santa Cruz, ainda com aquela serena fisionomia
gravada na retina e na emoção, sigo para a escola. A roda da vida continua. Os
alunos do Projeto estão à espera.
Um vivo interesse da turma e
vamos, no fio dourado do lirismo e da sensibilidade, fazendo um passeio pelo
tempo. Ela nos conduz. Personifica a ternura em prosa e verso. A sua palavra
resgata com profundo humanismo fatos, detalhes, valores da vetusta Paracatu.
Vamos com ela nesse imaginário passeio por ruas, becos, transparentes riachos,
delicadas montanhas, longínquos horizontes...
“As ruas têm alma, coração, sensibilidade”...
onde estão? Que nome trazem hoje, após contínuas trocas que ninguém sabe por
quê? Atentos, os alunos recompõem em curiosa geografia a correspondência entre
os antigos e os atuais nomes das ruas, lembranças resgatadas na doce poesia.
Vamos passeando... mais... mais... rua dos Mal Casados, ruía Direita tão sinuosa...
rua do Piolho – eles sumiram – afirma a poetisa. Águas claras, caminhos,
praças, largos, palmeiras e jardins. Talvez em uma destas paisagens, no
silêncio das horas calmas, possa ocorrer um inesperado encontro com sua amável figura,
sugerida no movimento delicado de uma brisa, no adejar de uma asa de luz ou no
perfume de um jasmim a acenar à sua passagem. Vamos mais! Este poema canta a
ternura e a cidadania, garimpa do chão agreste o ouro que poderia financiar a
igualdade e o bem estar, o conhecimento e a justiça social. Ela o distribui com
generosidade e doce utopia para a educação, saúde e habitação.
Sua pena ágil enaltece os
humildes que compuseram páginas e fios do nosso tecido histórico. Eles saltam
do verso, atravessam o tempo e aninham-se no nosso coração. Quer ver? Dionísio
Pilão, mago dos sinos, toca o bronze a libertar a linguagem comunicativa de uma
época em que não havia os atuais recursos da mídia. Põe no ar, através de sons,
os sentimentos e fatos da nossa gente: o dobre, a chorar na manhã triste nos
fala de enterro; as filigranas de sons, correndo céleres pelo ar, repicam
aleluias, festejos, procissões, novenas. É a “graça requerida”, é a “voz da
gente que canta e chora na voz dos sinos”.. Rápido passeio no tempo... terminou
a aula!
Doze de maio de 1999, dona
Zenóbia Vilela Loureiro, escritora, poeta, educadora, diretora da centenária
escola Afonso Arinos, confreira da novel Academia de Letras e, sobretudo, uma pessoa
que reunia os mais nobres sentimentos que enaltecem o ser humano, atendeu a
chamado do Senhor que prefere os justos e honrados.
Com certeza aqui esteve para ser
vista, sentida, ouvida e interpretada através da sua obra poética e da sua
construção humanística. Seu tempo, no relógio da eternidade, escoou em
segundos, semelhante ao passeio no tempo que eu e os alunos fizemos como
sentida homenagem pela sua partida.
Maria José Gonçalves Santos
Cadeira 25 da ALNM
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