1939 -- Um ano marcado pelo início da Segunda Guerra
Mundial, declarada pelas grandes potências. e pelo Estado Novo de Getúlio
Vargas. Para nós, apenas um ano lembrado por dois acontecimentos distantes, sobre
os quais tínhamos notícia de seus desdobramentos apenas através das emissoras
de rádio e das páginas da revista O Cruzeiro. O final de uma década, em que
Alemanha, França e Inglaterra disputavam os rumos da economia e da corrida
armamentista mundial e que o Brasil vivia umas das ditaduras mais sangrentas
de sua história. Acontecimentos tristes de um tempo, que mudaram vidas de
centenas de milhares de pessoas.
|
Enquanto isso, naquele mesmo ano, em nove de novembro,
o fato que marcou a família de Benedito dos Reis Sobres e de Leonor Ascensão
Ferreiro foi o nascimento de sua terceira filha, Benedita dos Reis Soares
Costa, que décadas depois passaria a ser a única filha do casal. Numa fazenda
não muito distante daqui, de nome Saco da Serra, cravada no mesmo sertão das
Gerais retratado nas escritas de Guimarães Rosa.
Irmã dos já falecidos Gema e Benvindo, Benedita trazia,
desde menina, a curiosidade e a inteligência que a acompanham até hoje.
Características que fariam com que ela se tornasse uma mulher à frente de seu
tempo, mesmo sendo de família simples, com pai trabalhador rural e mãe dona
de casa, enfrentando todas as dificuldades de uma época em que às mulheres
negras eram reservados os trabalhos domésticos em casas de família.
|

Já
morando na cidade, enquanto seus pais continuavam no trabalho na roça, cursou
o antigo ensino primário na Escola Estadual Afonso Arinos. Em 1959, formou- se
como professora primária na Escola Normal Antônio Carlos. Ali começava uma trajetória
que marcou para sempre a sua vida como educadora. Poucos professores da nossa
cidade, que estudaram entre as décadas de 60, 70 e 80 não passaram pela sala
de aula de Benedita. Ou mesmo não foram suas colegas no ofício do magistério.
Aprovada
em concurso público. em 1961 foi nomeada professora na Escola Estadual Dr.
Sérgio Ulhoa, onde trabalhou até meados de 1964. Em seguida, foi admitida no
Curso de Treinamento para Inspetores escolares municipais, promovido pela
Secretaria de Estado da Educação com duração de um ano letivo. Em 1965 foi
designada Inspetora Municipal, função que exerceu por muitos anos.
Apenas
o Curso Normal era pouco para Benedita. Mas como cursar uma faculdade com
tantos empecilhos daquele tempo, já com quatro filhos para cuidar? A vontade
de crescer e os conselhos de colegas que sabiam de seu potencial foram
suficientes para convencê-la a enfrentar quatro anos de estrada, nos finais
de semana. de Paracatu a Patos de Minas. Em 1975, ingressou na Faculdade de
Filosofia e Letras daquela cidade, onde graduou-se em Pedagogia, com
habilitação em Administração Escolar, Professora de Matérias Pedagógicas e
Orientação Educacional.
Um
tempo que marcou para sempre a vida de Benedita e sua família. Com o apoio de
sua mãe, Leonor, e de seu companheiro de uma vida inteira, Jogo Albino, ela
conseguiu levar adiante o sonho da formação superior, sem que seus filhos ficassem
desamparados.
Foram
anos de estrada de terra, no trecho de João Pinheiro a Patos, sacudidas
dentro de ônibus e kombis, noites e noites sem dormir para dar conta das
exigências do curso. Período em que construiu parte das amizades que nutre
até hoje. Marisa Macedo, Cecília Cardoso, lvone André e Elsa Antônia foram
suas companheiras nessa jornada, aa lado de tantas outras das mais diversas
localidades do Estado de Minas.
No
exercício da função de Inspetora Escolar, participou como organizadora de
vários cursos de aperfeiçoamento, treinamento, reciclagem e atualização de
professores da rede escolar de Paracatu e das cidades que faziam parte da
jurisdição da Inspetoria de Ensino.
Em 1979 foi designada para assumir a direção da Escola
Estadual Antônio Carlos. a maior da cidade naquele período. Na função até o
ano de 1983, foi capaz de colocar em prática o conhecimento que adquiriu no
curso em Patos de Minas, enfrentando todas as dificuldades peculiares das
escolas públicas estaduais. Foram anos superando os desafios e a
responsabilidade da função, sempre pautada pelo compromisso com uma educação
inclusiva, igualitária, dialógica, universal e respeitosa da compreensão do
indivíduo sobre seu lugar no mundo, conforme pregava Paulo Freire.
Após deixar a direção da EE Antônio Carlos, exerceu novamente a função de inspetora escolar, cargo em que se aposentou em 1986. No exercídio dessa função, participou efetivamente da instalação, organização e funcionamento de várias escolas em Paracatu, como Affonso Roquette, Virgílio de Melo Franco, Júlia Camargos, Leonor Vitor Rodrigues, entre outras.
No
Colégio Dom Elizeu, foi professora de Português e Didática no Curso Normal,
escola que também contou com sua participação na criação, organização e no seu processo de autorização
para funcionamento e posterior reconhecimento.
Já
aposentada e com os filhos grandes, em 1989 resolveu dar outro rumo para a
família e se mudar para a capital federal. Era o momento de dar condições
para os mais velhos disputarem uma vaga na universidade.
Como uma educadora que não consegue ficar muito tempo
fora da sala de aula, em 1992 prestou concurso para a então Fundação
Educacional, hoje Secretaria de Educação do Distrito Federal. Classificada em
primeiro lugar no concurso, foi nomeada professora de Atividades, englobando
a 1ª à 4 série. Naquele momento, retoma um projeto interrompido em 1972, quando
passou também no concurso para professora do DF, tomou posse, mas as
dificuldades de viver numa cidade ainda em construção e longe da família a
obrigaram a retornar para Paracatu. Ainda não era o momento de construir sua
história na cidade de Juscelino Kubitschek.
Lotada
na recém-criada Escola do Bairro de Telebrasília, da Região do Núcleo
Bandeirante, foi designada para organizar a biblioteca da referida escola. o
que exigiu que ela se especializasse em organização e funcionamento de
bibliotecas. Ainda como professora no DF, passou por escolas de Ceilândia,
Riacho Fundo e Núcleo Bandeirante, onde se aposentou no ano 2000.
Em 2009, realizou o sonho de lançar o seu primeiro
livro, Passeio pelo Tempo. Obra que perpassa pelas histórias mais marcantes
vividas durante a sua infância, nas fazendas Palestina, Santa Helena e
Bandeirinha, sua juventude e fase adulta em Paracatu e Brasília.
A repercussão desse livro rendeu a ela o convite para
fazer parte da Academia Taguatinguense de Letras, na cidade de Taguatinga,
onde atuou como membro benemérito.
Em
2015. voltou a morar em Paracatu, com seu eterno companheiro. O saldo desses
anos todos vividos na capital do país é mais que positivo, apesar de todas as
dificuldades e desafios comuns de uma metrópole. Seus filhos ganharam o mundo
e a conclusão foi que já era o momento de retomar a suas origens.
Já
em Paracatu, em 2016 lançou seu segundo livro: Por causa de um sonho Desta
vez, os nossos sonhos foram embalados pela história de seu Quinzin, o homem
que aprendera a ler tardiamente, mas sonhava em participar de um festival
literário. Nesse livro, Benedita nos mostra que os sonhos não envelhecem como
dizem Milton Nascimento e Lô Borges, dois grandes ilustres mineiros.
 |
Leonor Costa, tendo ao lado Coraci Neiva, presidente da ALNM, e Graciele Mendes, presidente da Fundação Casa de Cultura de Paracatu, pronuncia seu discurso durante a posse de sua genitora Benedita Costa como membro da Academia de Letras do Noroeste de Minas, em 25 de junho de 2016. |
|
Agora, é integrante da Academia de Letras do Noroeste
de Minas, ocupando a cadeira número 22, cujo patrono é o poeta Geraldo
Serrano Neves, natural de São João Nepomuceno e paracatuense, por adoção.
Essa é a história de nossa acadêmica Bernedita dos Reis Soares Costa.
*Leonor Costa é a caçula dos cinco filhos de
Benedita (única mulher), jomalista em Brasília, feminista negra e militante por
uma sociedade justa e igualitária
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário