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Dr. Jusmar Certo Roquete discursa durante sua posse na Academia de Letras do Noroeste de Minas, em 19/02/2018. |
Por Márcio José dos Santos
Gosto de marcar minhas consultas, sejam de médicos ou
dentistas, para as primeiras horas do dia, se possível, que eu seja o primeiro
a ser atendido. Não é uma questão de competição, mas porque imagino que não
terei horas perdidas no meu dia atribulado. Mas isto é só uma imaginação tola,
não é mesmo? Os antecedentes me mostram que, para ser atendido, é preciso
paciência e que o doutor atrasado nunca vai me pedir desculpas pela falta de
compromisso. Dê-se por satisfeito se você nunca foi surpreendido com um cancelamento
de consulta depois de esperar horas na sala de espera!
Mas não é disso que vim falar aqui. Quero contar como fui
surpreendido ao encontrar no meio do material velho de uma sala de espera
médica em Belo Horizonte o livro Pote, de Jusmar Certo Roquete. Certamente, um
brinde do autor ao colega médico. Você compreenderá minha alegria ao ver o
livro, porque fazia pouco tempo que eu me encontrara com o autor em Paracatu, na
ocasião de sua posse como membro da Academia de Letras do Noroeste de Minas.
Jusmar é médico-poeta, cirurgião otorrinolaringologista familiarizado
com as letras e a poesia. Nasceu em Paracatu, estudou no Grupo Afonso Arinos e
ainda tem aqui raízes familiares e afetivas, na pessoa de sua mãe Maria Certo
Roquete. Suas poesias são influenciadas
pelas lembranças e sentimentos mais fortes da infância vivida em Paracatu,
pois, para ele, “Poesias são segredos / malguardados / descobertos /
cheirando a gaveta e sentimentos.”
Em seu livro de estreia na poesia, Jusmar usa a alegoria
do artesão ao fazer um pote, juntando apenas argila e água. Os dois elementos –
argila, água – formam o barro manipulado pelo artesão, que lhe dá forma e
beleza, uma criação artesanal que agora se presta a reunir e guardar – o pote.
Assim também se fez a poesia de Jusmar, juntando vivência e sensibilidade,
moldadas com a palavra, em belos textos de prosa poética e lirismo.
Pote está cheio de pedaços de Paracatu, pedaços que às
vezes se disfarçam nas tessituras poéticas, mas às vezes são imagens tão
explícitas que parecem colocadas em uma moldura. Lança sobre o Beco do Candinho
um olhar de menino:
Bem ao
lado do meu quarto,
Cheio de
história e de fatos,
Um beco
estreito e sem rumo,
Com as
pedras fora de prumo,
Que eu
vejo desde menino,
Como inocente
e malino.
Passeia pelos Olhos D’Água, com suas
reminiscências e histórias que ouviu – a praia, a água correndo sobre os
seixos, a fartura no tempo em que o tempo não ia –, para enfim lamentar:
Mas por
aí, dizem, um dia,
passou
gente sem esporas,
com os
olhos lá de fora,
e levou o
tempo embora,
com tudo o
que falta agora!
Tantas vezes parado nas salas de
espera, paciente impaciente com a demora, daquela vez o tempo se foi rápido,
porque me perdi nas poesias de Certo Roquete. Não larguei de mão o livro.
Distraído, ia saindo com Pote nas mãos, precisou de a secretária do médico
reclamar: - Senhor, esse livro é do consultório!
Na cabeça, soava uma poesia que me tocou mais fundo –
Resíduos:
E sinto,
com a serenidade natural
de quem
nada mais tem a temer,
que há
algo, transcendente e essencial,
plantado
na profunda origem do que sou
e que no
fundo dourado da bateia,
ainda
tenho inteiro e depurado para viver
todo este
resto essencial de mim
que, de
presente, me restou.
Pote me deu saudades
de Paracatu, já se vão 32 anos que aqui cheguei, e três dias de viagem me traziam
a ausência daquilo que se foi no passar dos anos. Mas,
Como é bom
estar aqui no tempo, a fazer andança!
Oopa!...
Que susto!...
Passa por
mim, correndo em disparada, quase me tromba, um menino!
Que
malino!... que malino!
Mas...
ora, veja!... Quase não notei:
Era eu,
ainda criança!...
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