domingo, 30 de junho de 2019

UM CERTO ROQUETE

Dr. Jusmar Certo Roquete discursa durante sua posse na Academia de Letras do Noroeste de Minas, em 19/02/2018.


Por Márcio José dos Santos

Gosto de marcar minhas consultas, sejam de médicos ou dentistas, para as primeiras horas do dia, se possível, que eu seja o primeiro a ser atendido. Não é uma questão de competição, mas porque imagino que não terei horas perdidas no meu dia atribulado. Mas isto é só uma imaginação tola, não é mesmo? Os antecedentes me mostram que, para ser atendido, é preciso paciência e que o doutor atrasado nunca vai me pedir desculpas pela falta de compromisso. Dê-se por satisfeito se você nunca foi surpreendido com um cancelamento de consulta depois de esperar horas na sala de espera!

Mas não é disso que vim falar aqui. Quero contar como fui surpreendido ao encontrar no meio do material velho de uma sala de espera médica em Belo Horizonte o livro Pote, de Jusmar Certo Roquete. Certamente, um brinde do autor ao colega médico. Você compreenderá minha alegria ao ver o livro, porque fazia pouco tempo que eu me encontrara com o autor em Paracatu, na ocasião de sua posse como membro da Academia de Letras do Noroeste de Minas.

Jusmar é médico-poeta, cirurgião otorrinolaringologista familiarizado com as letras e a poesia. Nasceu em Paracatu, estudou no Grupo Afonso Arinos e ainda tem aqui raízes familiares e afetivas, na pessoa de sua mãe Maria Certo Roquete.  Suas poesias são influenciadas pelas lembranças e sentimentos mais fortes da infância vivida em Paracatu, pois, para ele, “Poesias são segredos / malguardados / descobertos / cheirando a gaveta e sentimentos.”

Em seu livro de estreia na poesia, Jusmar usa a alegoria do artesão ao fazer um pote, juntando apenas argila e água. Os dois elementos – argila, água – formam o barro manipulado pelo artesão, que lhe dá forma e beleza, uma criação artesanal que agora se presta a reunir e guardar – o pote. Assim também se fez a poesia de Jusmar, juntando vivência e sensibilidade, moldadas com a palavra, em belos textos de prosa poética e lirismo.

Pote está cheio de pedaços de Paracatu, pedaços que às vezes se disfarçam nas tessituras poéticas, mas às vezes são imagens tão explícitas que parecem colocadas em uma moldura. Lança sobre o Beco do Candinho um olhar de menino:

Bem ao lado do meu quarto,
Cheio de história e de fatos,
Um beco estreito e sem rumo,
Com as pedras fora de prumo,
Que eu vejo desde menino,
Como inocente e malino.
Passeia pelos Olhos D’Água, com suas reminiscências e histórias que ouviu – a praia, a água correndo sobre os seixos, a fartura no tempo em que o tempo não ia –, para enfim lamentar:

Mas por aí, dizem, um dia,
passou gente sem esporas,
com os olhos lá de fora,
e levou o tempo embora,
com tudo o que falta agora!
Tantas vezes parado nas salas de espera, paciente impaciente com a demora, daquela vez o tempo se foi rápido, porque me perdi nas poesias de Certo Roquete. Não larguei de mão o livro. Distraído, ia saindo com Pote nas mãos, precisou de a secretária do médico reclamar: - Senhor, esse livro é do consultório!

Na cabeça, soava uma poesia que me tocou mais fundo – Resíduos:

E sinto, com a serenidade natural
de quem nada mais tem a temer,
que há algo, transcendente e essencial,
plantado na profunda origem do que sou

e que no fundo dourado da bateia,
ainda tenho inteiro e depurado para viver
todo este resto essencial de mim
que, de presente, me restou.

Pote me deu saudades de Paracatu, já se vão 32 anos que aqui cheguei, e três dias de viagem me traziam a ausência daquilo que se foi no passar dos anos. Mas,

Como é bom estar aqui no tempo, a fazer andança!
Oopa!... Que susto!...
Passa por mim, correndo em disparada, quase me tromba, um menino!
Que malino!... que malino!
Mas... ora, veja!... Quase não notei:
Era eu, ainda criança!...

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