Pela acadêmica Benedita dos Reis Soares Costa
Geraldo
Serrano Neves nasceu em S. João Nepomuceno, MG em 20 de julho de 1907. Era
filho de José Gonçalves Neves e Maria José Serrano Neves. Era irmão do jurista
Serrano Neves.
Casado
com Irene Scaldini Neves, teve dois filhos: Frederico Serrano Neves e Paulo
Maurício Serrano Neves.
Fez os
seus primeiros estudos na sua terra natal, de onde saiu, ainda jovem, para
cursar o Ensino superior, em Belo Horizonte, onde se formou em Advocacia.
Serrano
Neves, como passou a ser conhecido, chegou em Paracatu em 1946 para ocupar a
Promotoria Pública, para a qual ele tinha sido nomeado.
Veio
trazendo os dois filhos ainda pequenos e se hospedou na então conhecida Pensão
de Iaiá, que ficava na R. Samuel Rocha, no centro da cidade. Aí ele morou, com
os dois filhos, por vários anos, até adquirir uma casa grande com quintal no
Largo do Santana, um pouco abaixo da “Barriguda”, grande árvore que enfeitava o
local.
Pessoa
culta, de alma simples e boa convivência, não foi difícil se adaptar às
condições da vida nova que assumira, tornando-se paracatuense, por adoção.
Integrou-se
definitivamente à vida social da cidade participando dos eventos, para os quais
era convidado. Era comum vê-lo rodeado de amigos na porta da pensão, onde
morava, ou em algum outro lugar aonde ia para encontrá-los.
Desempenhou
as funções próprias do cargo que exercia com sabedoria e retidão de caráter.
Serrano
Neves adoeceu em Paracatu e foi para Belo Horizonte a procura de melhores
recursos médicos, mas veio a falecer em 27 de julho de 1961. Quis ser sepultado
em Paracatu, terra que o acolheu com carinho e que ele muito amou e adotou como
sua. Sua terra e seus amigos prantearam sua partida, acolheram-no e o abrigaram
em seu seio, para sempre.
Gostava
de futebol. Torcedor do Santana Esporte Clube, chegou a participar de sua
diretoria como presidente. Participou do projeto de construção do que é, hoje,
o Estádio Paulo Brochado. O carnaval contava, também com sua presença.
Interessante notar que, conforme informação de seu filho Paulo Maurício, ele
gostava, mesmo, era de ir à matinê brincar o carnaval com a criançada. Levava
rolos de serpentina para jogar no salão e animar os pequenos foliões. Era
comum, também, vê-lo, aos domingos, no prado para assistir as corridas de
cavalo.
Era
romântico, e, como tal, gostava de música, de bar, de conversar com os amigos.
Romântico, sem ser boêmio. Mas gostava de música boêmia: Angústia, Fascinação,
Boemia. Músicas de Nelson Gonçalves,
Vicente Celestino Bienvenido Granda, Lucho Gatica, Miguel Acervus Merrye, e
outros.
Era
escritor. Como advogado escreveu Teoria da Improvisão e cláusula rebus sic
statitibus, publicado em 1956. Em acabamento ele tinha Dicionário de
Jurisprudência, Legislação e Doutrina e estava preparando outro - Do Cheque.
Foi
correspondente do semanário paracatuense A Tribuna de Paracatu, onde publicou
vários artigos de sua autoria e uma novela policial com o título O assassino no
quarto fechado, bem como várias de suas poesias.
Algumas
delas, também, foram publicadas em revistas de grande porte, na época, como a
revista O Cruzeiro, a Revista Alterosa e a Revista Manchete.
Era
apreciador de escritores de renome como o escritor Eça de Queiroz.
O POETA
SERRANO NEVES
Falar do
escritor Geraldo Serrano Neves e não falar de sua poesia, é como se eu podasse
uma roseira quando ela estivesse se abrindo em botões ou como se eu fechasse
uma janela no exato momento em que os últimos raios do sol jogassem na sala a
luminosa aquarela do entardecer.
Bom.
Para evitar que cheguemos a uma destas situações, eu vou falar do Serrano Neves
Poeta.
Aí, eu
me encanto. Me encanto com seus versos, seus poemas, quase todos em forma de
sonetos.
Conheci
o poeta Serrano Neves, na segunda metade dos anos cinquenta, quando era aluna
do curso Normal da, então, Escola Estadual Antônio Carlos. A professora de
Português, Pedrina Pereira Viana, convidou-o para dar uma palestra-aula falando
sobre poesia, poetas, escritores, etc.
Naquela
época, a fase da adolescência terminava mais tarde. Aos dezessete, dezoito anos
a moça ainda sonhava com o Príncipe encantado, com o primeiro beijo, com o
namoro de mãos dadas “no escurinho do cinema, chupando drops de anis”. Nos
encantamos, portanto, com a palestra que teve seu clímax com ele declamando
dois poemas de sua autoria: Balanço e Saudade.
Acostumada
com as poesias que aprendera no curso primário e no Ginásio, cujos autores mais
conhecidos era Olavo Bilac, Castro Alves, Cecília Meireles, os poetas da
Inconfidência e outros. Quase todos já falecidos e distantes. Formei a ideia de
que poeta era aquele homem ou aquela mulher que estava longe de mim, no tempo e
no espaço.
Ouvir,
ao vivo e a cores, um poeta do porte de Serrano Neves, homem bonito, elegante,
finíssimo declamar poemas de sua autoria, era lindo demais. Foi quando eu
percebi que poeta podia ser alguém como eu, aqui e agora.
Mas o
tempo passa. Não é?
Pois
então. Para mim o tempo passou. De lá para cá, passaram-se muitos anos. Me
formei, segui minha profissão...me casei, construí família...viajei...sempre me
dedicando à escrita e à leitura. Estudei mais. Fiz curso Superior. Proferi
palestras, fiz discursos e, em várias ocasiões declamei os poemas de Serrano
Neves. E no final, consegui publicar dois livros de minha autoria. O que me deu
a honra de ser agraciada com o título de Membro Efetivo da Academia de Letras
do Noroeste de Minas.
E, ainda
mais: me sinto premiada por ocupar a cadeira de número vinte e dois, cujo
patrono é o poeta Geraldo Serrano Neves, aquele homem que me encantou nos meus
tempos de juventude.
É meu
dever, pois, fazer um estudo de sua vida e de sua obra. E o faço com muito
gosto e orgulho.
Comecei
a pesquisar e foi aí que encontrei uma vasta e rica coletânea de outros poemas
, cada um, mais belo do que o outro.
O
primeiro que me encantou foi o que se intitula:
A rosa azul
Um dia,
Olhando o céu azul
E o azul dos olhos dela
- que são irmãos na cor -
Eu disse ao meu amor:
- “embora eu tenha que correr o mundo
De norte a sul
Eu hei de lhe dar uma rosa
Inteiramente azul.”
E comecei a vagar
Por este mundo de cores,
Olhando por entre as flores
Onde estaria escondida,
Em que lugar se encontrava
Essa rosa tão querida
Que o meu amor esperava.
Mas, voltei desiludido
E em meio à estrada encontrei
Um jovem poeta envolvido
Na luz morna de um poente...
E ele me disse:
- Amigo, você chora inutilmente;
Todos os sábios proclamam,
Com a mesma convicção,
Que rosas azuis só existem
no coração dos
que amam;
Volta, pois ao teu amor
E dá-lhe teu coração.
À medida
que eu ia me aprofundando na riqueza dos seus versos, ia formando a impressão
de que esse poema foi o ponto de partida para o surgimento de todos os demais
que compõem a sua produção literária. É quando nasce o amor no seu coração e
ele passa a procurar, desesperadamente, uma mulher para receber esse amor
simbolizado pela Rosa azul.
Antes
ele se encantava com a natureza e dedicou a ela belíssimos poemas. Se irmanou
com as fontes, com as flores, com os poentes, com o perfume e com as cores.
Tinha a alma pura, sensível e doce que o levou a cantar a natureza com a maestria
de um admirador atento. E pintalga a literatura com criações magistrais que a
enfeitam e a alegram:
O IPÊ
Cai a semente em terra amena e pura
Surge um rebento triste e medroso.
Que pouco a pouco mais se apresta e apura
Se esfolha e esgalha magno e garboso.
Da terra máter, na entranha escura,
Extrai a seiva do filão humoso
E, cada vez mais forte e glorioso
Encorpa o tronco, sobe e ganha altura.
Depois num gesto nobre de grandeza,
Numa homenagem a Deus e a Natureza
Que lhe deram a forma, o tom, as cores,
Abre-se todo em beijos coloridos
E alçando aos céus os galhos refloridos
Atira a Deus um turbilhão de flores.
Almas
gêmeas
Eu
faço versos como o ipê florido
Que
pintalgando o verde da floresta
Se
enfeita todo em verdadeira festa
E
alegra a mata com seu colorido.
Também
não sei falar; emudecido
É
este o artifício que me resta
Que
ao meu mutismo natural empresta
Uma
certa expressão, certo sentido...
Como
o ipê, também eu apresento
Em
lugar de palavras, sentimento:
Em
lugar de ruídos, harmonia:
E
nessa sede infrene de beleza
Eu
me aprofundo além da natureza
Pelo
sublime umbral da poesia.
Buriti
solitário
Meu
pobre buriti, tão triste e solitário,
Na
chapada deserta, imensa e descampada!
Quanta
mágoa terás, retida e acumulada
Nesse
coração qual verde relicário.
E
me ponho a pensar no destino tão vário
Nessa
força tenaz, cruel, desnaturada,
Que
te plantou sozinho no ermo da chapada,
Como
ilha perdida no meio do estuário.
Um
consolo te resta , ó árvore querida:
Se
a noite ameaça assombrar tua vida,
A
lua em teu socorro surge na amplidão.
Redoirando
teu corpo de luz cintilante;
Enquanto
tudo em volta é negro, apavorante
Só
tu brilhas, sozinho na escuridão.
Paisagem
em Aquarela
Silêncio
e paz. O dia desfalece...
Tudo
é quietar, mansidão e calma;
Um
suave torpor invade a alma
‘E
pouco a pouco se transforma em prece.
Do
céu cambiante, mansamente desce
Uma
luz lirial que envolve e acalma,
Que
purifica, suaviza e ensalma
E
as nossas mágoas todas esvanece...
Tudo
é sossego, paz, beatitude;
Um
ruído sequer quebra a quietude
À
hora calma do morrer do dia.
Apenas
um planger quase dolente
Penetra
nossas almas mansamente
-
O triste badalar d’Ave Maria...
Homem
bom. Místico, quase ingênuo. Espírito solidário. Crente e temente a Deus. Tem
seus momentos de contrição.
Oração
Padre
nosso dos céus que das alturas,
O
destino do mundo, orientais
Mitigai,
por favor, minhas agruras
Como
as agruras dos pios mitigais.
Estendei
sobre mim vossas mãos puras,
E
nesse gesto com que abençoais
Todas
nossas frágeis criaturas
Mostrai
que a mim, a mim também amais.
Para
provar-vos quanto eu vos respeito
Quero
trazer-vos neste humilde peito
Minha
humildade a mais serena e pura.
E
num supremo anseio de perdão
Quero
beijar contrito a tua mão
Beijando
assim a mão que me tortura.
Preceito
Abre
teu coração aos desvalidos,
Aos
que do mundo vivem ao desvão;
Ampara
todos os desprotegidos
E
aos que tem fome dá-lhes teu pão.
O
bom caminho indica aos pervertidos
Ao
que claudica estende a tua mão,
E
dos injustamente perseguidos
Acolhe
dentro do teu coração.
Não
olhe nunca indiferentemente
Ao
que da agrura da vida se ressente
O
que chora, o que clama, o que lamenta.
A caridade, a força nos renova
E
o bom coração é como a cova:
Quanto mais lhe tira mais
aumenta.
Enquanto cantava a natureza, o amor ao próximo, a beleza pura e
simples da vida, procurava, ansiosamente, o ser sublime a quem deveria
presentear com a Rosa azul que trazia no coração. Encontrou-o, mas não teve
coragem ou não pode entregar-lhe tal presente. Encontrou a mulher do seu
destino que não quis ou não pode recebê-lo.
Guardou a sua Rosa azul no mais recôndito do seu coração. E presenteou
a mulher amada com os mais belos poemas que escreveu. Encontrou outra musa para
os seus versos e passou a escrever só para ela. Não mais para a natureza que
tanto o encantara.
Você
Não cantarei mais luas
nem poentes
Nem a graça das flores
deslumbrantes;
Não cantarei as tardes
esplendentes
Nem as lindas estrelas
cintilantes.
Nem os lírios gentis,
alvinitentes,
Nem as rosas suaves e
fragrantes;
Nem as longas palmeiras
imponentes,
Nem os lagos quietos,
repousantes.
Eu cantarei seus olhos,
seus cabelos,
E essa aura de amor que
sinto ao vê-los
Enquanto você pára e nem
me vê...
E lhe farei poemas,
quantos queira,
Hoje, amanhã e pela vida
inteira
Pois faço versos só para
você.
Por quê?
Você sabe que eu sinto e
você sente
Que há qualquer coisa que
nos une e nos enlaça
Em fluído etéreo que nos
abraça
E que faz de nós dois um
ser somente.
Por que esperar mais se a
vida passa
E o tempo corre
inexoravelmente?
Se tudo se desfaz como
fumaça
Ao sopro do Elo
impenitente?
Por que chorar mais
tarde, arrependidos
De não haver vivido os
tempos idos
Que nunca mais nos
separaremos?
Você velhinha e eu também
velhinho
Tristes e sós, chorando
de mansinho
A vida linda que nós não
tivemos.
Embora essa busca incansável se transformasse em mágoa, desilusão,
nostalgia ele acreditava que ainda era possível, e um fio de esperança brota em
seu coração, a busca continua e belíssimos versos vão saindo, aos borbotões:
Desiludido e já
desencantado,
Sem nada mais a esperar
da vida,
Tinha, de meu, apenas meu
passado
E minha pobre lira
emudecida.
Voltei-me para Deus
desesperado,
Num gesto de revolta
desmedida
E supliquei que me
extinguisse a vida,
Que destruísse esse meu
ser fanado.
Ontem, porém, ao vê-la
loira e linda,
senti que minha alma
vibra ainda
E que meu coração ainda
crê.
E supliquei a Deus sua
clemência
Para viver inteira essa
existência
Fazendo versos só para
você.
Mas a
desilusão continua, a mágoa cresce e a saudade maltrata com força a ponto de
levá-lo a um estado de delírio cruel:
SAUDADE
Saudade de um amor que
nunca tive,
Saudade de um amor que
nem me vê.
Saudade imensa que em meu
peito vive:
Essa saudade imensa de
você.
Agora, já dos anos em
declive,
Quando minh’alma em quase nada crê,
Cada dia que passa mais
revive
Essa saudade imensa de
você.
Saudade dos passeios que
não demos,
Dos colóquios de amor que
não tivemos;
Dos beijos que você nunca
me deu...
Da vida linda que não
desfrutamos
Das doces juras que não
trocamos...
Saudade de um amor que
não foi meu.
Estrela cadente
Minha vida foi simples e
singela,
Vivi-a toda amando
ternamente
Ora uma flor encantadora
e bela,
Ora o tanger de uma
canção dolente.
Veio o dia, porém, em que
aquela
Que eu deveria amar
profundamente,
Passou por minha vida
como a estrela
Que apenas passa...uma
estrela cadente.
Passou apenas sem deixar
lembrança
De um beijo seu, um
sonho, uma esperança,
Nem um carinho, um aperto
de mão...
Só deixou para mim esta
saudade,
Que há de ficar por toda
eternidade
Torturando meu pobre
coração.
Sonho
Na solidão de minha pobre
vida,
Nos momentos de tédio e
de cansaço,
Horas e horas a sonhar eu
passo
co’alma solta na amplidão perdida.
Vejo-a no céu, de nuvens
revestida,
Ou doirada de sol, em
pleno espaço;
E para tê-la junto a mim,
querida,
Em sonho estendo a mão e
alongo o braço.
Quando volto de novo à
realidade,
Vejo comigo apenas a
saudade,
Cada vez mais acerba e
mais pungente;
E você nem suspeita
quanto a quero
E a quanto tempo,
paciente, espero
A sonhar com você
inutilmente.
O tempo passa e ele não encontra uma dona para sua Rosa
Azul. Quando ela chega, tardiamente, ele desabafa em versos:
Mulher do meu destino
Uma existência toda,
andei vagando,
Em busca da mulher com
quem sonhava,
Por todos os cantos
procurando,
Aquela que era minha e
não achava.
E o tempo pouco a pouco
foi passando
E eu, delirante nem
sequer notava
Que meus cabelos iam
prateando
E a minha face aos poucos
se enrugava.
E agora vens, mulher do
meu destino,
Como tosão de ouro o
velocino
Que desejei com todo meu
ardor.
Agora que vou, tu vens
chegando,
Só para ouvir eu te dizer
chorando:
-Como chegaste tarde, meu
amor!
Um olhar apenas
Não nos veremos mais de
hoje em diante
Nem um olhar sequer nós
trocaremos.
Sei que a princípio,
ambos sentiremos
E eu, que te adoro,
sofrerei bastante.
Nós nos amamos só por um
instante
E esse instante nunca
esqueceremos;
Foi um olhar apenas que
vivemos
O nosso amor imenso,
alucinante...
Um castelo sem base, um
sonho instável
Sonho impossível,
irrealizável,
Que sonhamos na angústia
de um segundo...
Terminado o olhar tudo
acabou;
Mas vivo dentro de nós
continuou
O menor e o maior amor do
mundo...
Bendito olhar
Bendito seja aquele
olhar, querida
Que tu me deste um dia docemente;
Deu novo alento,
imediatamente
Ao meu soturno e triste
fim de vida
Bendito seja aquele
olhar, querida,
Que me deu a ilusão resplandecente
De ter achado o amor de
minha vida
Que sempre procurei
inutilmente.
Quantos castelos fiz! Que
sonhos lindos
Sonhei contigo, em
êxtases infindos,
- De coração em festa e
alma florida...
Pelo que sonhei e não me
deste,
Por todo bem que em sonho
me fizeste:
- Bendito seja aquele
olhar, querida.
Vaya com Dios
É melhor que nós dois nos
separemos
E nunca mais na vida nos
vejamos
Pois cm o passar do tempo
esqueceremos
O amor imenso com que nos
amamos.
É necessário apenas que
troquemos
Mais um olhar dos muitos
que trocamos.
É essa a despedida. Não
choremos
Pois nunca, no passado,
nós choramos.
Para marcar esse momento
eu quero
Ouvir mais uma vez nosso
bolero
Que sintetiza toda nossa
dor.
E quando você for há de
ficar:
Aquela frase triste a
ressoar:
- “Vaya com Dios , mi
vida, mi amor”.
Quando ele percebeu que
era impossível viver esse amor aqui na terra e sente que o fim está chegando,
ele vê a possibilidade de encontrá-la no céu, ele a separa dos humanos e a leva
para uma “eterna glorificação”:
Último soneto
Já sei que o fim chegou. Eu
sinto a morte
A corroer, minar meu
coração;
E tão ciente estou da
minha sorte
Que não me abala a mínima
emoção.
Eu sei que nada mais há
que me conforte,
Que tudo que sonhei era
ilusão;
E essa descrença minha é
de tal porte
Que destruiu até meu
coração;
Até mesmo você- a minha
vida;
Você- tão adorada e tão
querida,
Você- que sobre todas eu
amei...
Agora eu só espero que a
morte desça
E destrua de vez esta
cabeça
Ninho dos sonhos lindos
que sonhei.
Sublime razão
Só agora passando tantos
anos,
Depois de tanto eu
lamentar em vão,
Depois de mil tormentos
sobre-humanos,
Compreendo afinal: tinhas
razão...
Quantos malogros, quantos
desenganos
Deixaram de pungir teu
coração
Quando te separastes dos
humanos
Para essa eterna
glorificação...
Tu foste para sempre e
não lamento
A tua ausência, o teu
afastamento
E nem sequer desvelo a
minha dor.
Pois lá no céu, tu sabes,
com certeza
Que pelas leis fatais da
natureza
Uma saudade dura mais que
o amor.
No final de sua
existência, já pressentindo a morte ele pede uma rosa em sua sepultura. E
esperava renascer em uma flor para se integrar à natureza, aquela que foi o seu
fiel amor.
Quero uma rosa em minha sepultura
Fui amigo do belo e do
esplendente.
Amei a luz, a flor, o
céu, a vida
Toda beleza foi por mim
querida
Com devoção a mais
sincera e ardente.
É, pois, com emoção quase
incontida
Com emoção profunda,
atroz, fremente
Que faço aqui a minha
despedida
Pois sinto que é preciso
ir para frente.
Devo integrar-me em plena
natureza
Para também ser parte da
beleza
Que está no céu, na luz,
na cor.
E sendo assim eu volto
para a terra,
Pois a essência Divina
que a encerra
Fará com que renasça numa
flor.
Considerações gerais
“Morreu o poeta que viveu sua vida sonhando. Sonhando com um amor que
nunca foi seu. Amando, desesperadamente, sem
ser correspondido.
Morreu o poeta?
- Não. Quem morreu foi o homem. O poeta vive. Vive nos seus versos.
Versos vivos”. Oliveira Mello.
Serrano Neves tinha predileção pelo seu poema Balanço.
Balanço
Nada levo da vida,
felizmente,
Nada a vida me deu nem
tomou.
Este é o balanço,
resumidamente:
- Assim como cheguei,
assim me vou.
Se é verdade que amei
ardentemente,
Também verdade que
ninguém me amou.
Se passei pela vida
inutilmente
Inutilmente ela por mim
passou.
Ao fechar o balanço noto
agora
Que uma parcela ia
ficando fora
Das contas feitas neste
deve-haver:
Eu me credito numa
saudade doce
De tudo aquilo que eu
quis que fosse
De tudo aquilo que não
pode ser.
Nesse poema ele se revela um espírito pessimista e, de certa forma,
descrente de tudo. Nele, ele não leva em consideração a riqueza que foi sua
vida pelo que ele fez, pelo legado que deixou como profissional, como cidadão
do mundo, como amigo, como pai.
Como pode dizer “Passei pela vida inutilmente” um poeta que deixou
versos capazes de sensibilizar leitores, deliciar e emocionar leitoras de todas
as idades e em todos os tempos?
E os amigos que deixou? Não contam?
Ele analisa sua passagem pela vida apenas pelo que não teve, pelo que
não ganhou. Esqueceu-se de que a grandeza do homem está mais no que dá do que
no que recebe.
Não concordo quando ele diz que não foi amado. Talvez não o tenha
sido, fisicamente. Lendo atentamente os seus poemas têm-se a impressão que a
mulher de sua vida, isto é, a mulher que ele escolheu para entregar a sua Rosa
Azul o amou muito e se sentiu amada mas por motivos diversos, não pode
corresponder a esse amor. E aí, o sofrimento dela foi maior que o dele. Porque
ele pode entregar a ela o seu amor. Ela não pode lhe entregar o dela. E com
certeza ela sofreu por se sentir incapaz de fazer feliz o homem que a amava
tanto.
E o poeta sabia que era amado. Veja o que ele diz neste poema:
Por quê?
Você sabe que eu sinto e
você sente
Que há qualquer coisa que
nos une e enlaça
Em fluído etéreo que
envolve e abraça
E que faz de nós dois um
ser somente.
Por que esperar mais se a
vida passa
E o tempo corre
inexoravelmente?
Se tudo se desfaz como
fumaça
Ao sopro do Elo
impenitente?
Por que chorar mais tarde
arrependidos
De não haver vivido os tempos
idos
Que nunca mais nos
separaremos?
Você velhinha e eu também
velhinho
Tristes e sós, chorando
de mansinho
A vida linda que nós não
tivemos.
As
poesias de Serrano Neves, os seus versos são de uma beleza sem par. A cidade
que o acolheu e o adotou como filho se enriquece, se valoriza com a herança que ele deixou. Oxalá, possamos
publicar esse conjunto de obras para que ela seja conhecida e perpetuada para
quantos têm o gosto de apreciar o Bom e o Belo.
Não pretendo, neste despretensioso
estudo, esgotar o conhecimento da substanciosa atividade literária do nosso
poeta. Simplesmente, considero esse momento providencial para o conhecimento e
apreciação de alguns belíssimos poemas desse nosso querido conterrâneo por
adoção.
Encerro este trabalho na esperança
de ter suscitado, em quem tiver a possibilidade de conhecê-lo, o interesse e a
vontade de aprofundar e conhecer um pouco mais as coisas belas que recebemos de
presente e que enriquecem sobremaneira a nossa cultura.
Benedita Soares
- julho/ 2017
O amor e o carinho por papai embalam a minha afeição por Paracatu.
ResponderExcluirPaulo Mauricio Serrano Nves
Redescobrir e reconhecer os poemas de Geraldo Neves talvez seja atividade sentimental refinada demais para os tempos que vivemos. Esperemos que a projeção tridimensional online nos traga de volta a oportunidade do café filosófico em forma de versos... versos estes que o filho também bateia na mesma lavra ( sorte a minha)!
ResponderExcluirSorte a minha. Digo eu.Imagina uma menina pobre do interior "sem eira nem beira"ficar frente a frente com um poeta do porte de Serrano Neves, conhecer sua obra e aos 77 anos ser agraciada com a honra de pertencer a uma Academia de Letras ocupando uma cadeira cujo patrono é o poeta mais conhecido, querido e laureado da cidade.Para o nosso povo, nosso poeta está entre os grandes da poesia romântica. Aliás, Paracatu e seu povo-os que prezam a cultura, os de ontem e os de hoje- amam e cultuam a memoria do nosso poeta Geraldo Serrano Neves.
ResponderExcluirD. Benedita fez justiça ao grande poeta que adotou nossa cidade como sendo a sua.
ResponderExcluirD. Benedita fez justiça ao grande poeta que adotou nossa cidade como sendo a sua.
ResponderExcluirJá posso morrer... conheci agora Serrano Alves. E tenho uma sensação de que seria um enorme desperdício, ter passado tantos anos nessa vida. Sem conhecer a maravilhosa obra desse gênio. Obrigado, Bendita.
ResponderExcluirBalanço: poesia que embala as reuniões de minha família. Declamada por um tio, nosso menestrel, que a ouviu em uma noite em um bar de bh , declamada por um boêmio anônimo, e se encantou, decorando-a!
ResponderExcluirRogério Lopes - BH -MG
Responder
Belo trabalho da professora Benedita, nossa amiga e vizinha do Largo da Jaqueira.
ResponderExcluirEla resgata o sentimento vivido por todos os paracatuense que viveram esse período áureo da nossa cidade, época que não cheguei a viver mas que me traz um eterna saudade de um tempo que não vivi, acho que nasci na época errada, rs...
Obs.: Meu pai, Lionel, também adorava as poesias do Serrano Neves e sabia "Balanço de cor e salteado, era contemporâneo e amigo dos filhos Paulo e Fred.
Falar de Serrano Neves me traz lembranças do meu pai...